sábado, 9 de janeiro de 2016

Breve História de Um Psicofármaco: Parte 2 – "Conversa Dentro da Caixa”

E lá vai ele, acompanhado de seus irmãos, Benzinhos ansiolíticos. Vão conversando, à distância, sobre os planos para o futuro, para quando saírem da caixa e forem deglutidos por algum indivíduo, desejavelmente agitado. - Às vezes, sinto que seria mais feliz se tivesse nascido anti-depressivo, talvez na família dos ISRS (inibidores selectivos da recaptação de serotonina). Chegava ao sistema nervoso do homem e punha-o todo contente e aos pulos. Até morrer de vez, e acabar o meu efeito, pelo menos morria a ver o homem feliz, e não somente calmo - afirma Zé Benzinho, cansado de estar sempre tão relaxado. Não que esteja em depressão, está demasiado relaxado para tal perturbação. Ele não deprime nem euforiza. Ele está, e é, simplesmente, calmo.
Na verdade, Zé não tem grandes hipóteses de escolha, nem ele nem os seus irmãos. São todos 2 mg, os daquela caixa. O seu destino será, sem grande margem para mudanças, uma actuação anti-ansiosa normal, em princípio, não demasiado incisiva. - Resta saber qual o tipo de organismo que me irá receber. Será um daqueles com uma crise ansiosa grave? Possivelmente um sofredor de perturbação de pânico ou algo do género. Ouvi dizer que esses até têm algum interesse e dão prazer de actuação. Não fosse eu um ansiolítico, e estaria aqui em pulgas para que me calhasse um de tal intensidade. - Especula Zé Benzinho, que logo obtém resposta de um irmão, preso numa das pontas da caixa - Não é expectável que seja. Nós somos pequenos, 2 mg, os casos mais graves ficam normalmente para os nossos primos maiores, os Benzos ou os Benzões. A nós, quase de certeza que nos calhará um amorfo qualquer, alimentado pela nossa família há tantos anos, que já nem uma bomba a explodir ao seu lado lhe faria piscar os olhos. Basicamente, iremos só continuar o processo. Quando lá chegarmos, já estará tudo calmo. Duvido que haja alguma movimentação interessante e que necessite mesmo dos nossos serviços, nos nossos futuros anfitriões… mas veremos, pode ser que tenhamos sorte. O primeiro a chegar que telefone, por favor. Se calhar até serei eu, visto que estou na ponta. – E assim vão tentando adivinhar o futuro, estes pequenos “neuro-profetas”.
E eis que, certa manhã, ainda relativamente cedo, e sem que tivesse existido antes qualquer sinal de movimento, a caixa dos Benzinhos é aberta. Zé e os seus irmãos acordam subitamente, mas com toda a sua calma característica. Todos olham para a abertura e pensam, sem pânico ou preocupação, ainda que possa parecer o contrário: “Qual será a fila que sai primeiro?”, “Qual será o irmão que já não voltará?”, “Será que é só um?”, “Quanto tempo demorará para que todos nós tenhamos sucumbido às ordens de um qualquer senhor ansioso?”, “Como será o nosso anfitrião?”.


(Continua…)



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