E lá vai ele, acompanhado de seus irmãos, Benzinhos
ansiolíticos. Vão conversando, à distância, sobre os planos para o futuro, para
quando saírem da caixa e forem deglutidos por algum indivíduo, desejavelmente
agitado. - Às vezes, sinto que seria mais feliz se tivesse nascido
anti-depressivo, talvez na família dos ISRS (inibidores selectivos da
recaptação de serotonina). Chegava ao sistema nervoso do homem e punha-o todo
contente e aos pulos. Até morrer de vez, e acabar o meu efeito, pelo menos
morria a ver o homem feliz, e não somente calmo - afirma Zé Benzinho, cansado
de estar sempre tão relaxado. Não que esteja em depressão, está demasiado
relaxado para tal perturbação. Ele não deprime nem euforiza. Ele está, e é,
simplesmente, calmo.
Na verdade, Zé não tem grandes hipóteses de
escolha, nem ele nem os seus irmãos. São todos 2 mg, os daquela caixa. O seu
destino será, sem grande margem para mudanças, uma actuação anti-ansiosa
normal, em princípio, não demasiado incisiva. - Resta saber qual o tipo de
organismo que me irá receber. Será um daqueles com uma crise ansiosa grave?
Possivelmente um sofredor de perturbação de pânico ou algo do género. Ouvi
dizer que esses até têm algum interesse e dão prazer de actuação. Não fosse eu
um ansiolítico, e estaria aqui em pulgas para que me calhasse um de tal
intensidade. - Especula Zé Benzinho, que logo obtém resposta de um irmão, preso
numa das pontas da caixa - Não é expectável que seja. Nós somos pequenos, 2 mg,
os casos mais graves ficam normalmente para os nossos primos maiores, os Benzos
ou os Benzões. A nós, quase de certeza que nos calhará um amorfo qualquer, alimentado
pela nossa família há tantos anos, que já nem uma bomba a explodir ao seu lado
lhe faria piscar os olhos. Basicamente, iremos só continuar o processo. Quando
lá chegarmos, já estará tudo calmo. Duvido que haja alguma movimentação
interessante e que necessite mesmo dos nossos serviços, nos nossos futuros
anfitriões… mas veremos, pode ser que tenhamos sorte. O primeiro a chegar que
telefone, por favor. Se calhar até serei eu, visto que estou na ponta. – E assim
vão tentando adivinhar o futuro, estes pequenos “neuro-profetas”.
E eis que, certa manhã, ainda relativamente cedo, e
sem que tivesse existido antes qualquer sinal de movimento, a caixa dos
Benzinhos é aberta. Zé e os seus irmãos acordam subitamente, mas com toda a sua
calma característica. Todos olham para a abertura e pensam, sem pânico ou
preocupação, ainda que possa parecer o contrário: “Qual será a fila que sai
primeiro?”, “Qual será o irmão que já não voltará?”, “Será que é só um?”, “Quanto
tempo demorará para que todos nós tenhamos sucumbido às ordens de um qualquer
senhor ansioso?”, “Como será o nosso anfitrião?”.
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