domingo, 10 de janeiro de 2016

Possíveis Causas e Factores de Risco da Depressão

           Para além das possíveis causas biológicas, já abordadas em http://neurocenas1.blogspot.pt/2016/01/aspectos-neuropsicologicos-da-depressao_6.html, existem ainda outras, que se associam também ao desencadeamento de uma perturbação depressiva, sem que, no entanto, possam ser consideradas como factor único de desencadeamento, visto que a depressão é unanimemente considerada, hoje em dia, como uma doença complexa, multifactorial e multicausal. São também identificáveis certos factores de risco que, quando “activados”, podem contribuir para o início da castástrofe.
            Apesar de se pensar, com fortes indícios, que a depressão é realmente desencadeada por um conjunto de causas diferenciadas, é usual (era ainda mais usual há uns anos) utilizar uma distinção entre as depressões com causas exógenas (depressão reactiva) e as depressões com causas endógenas (depressão endógena). Esta distinção nasceu há muito tempo, e veio, essencialmente, tentar ajudar no desvendar da doença, mostrando os dois lados possíveis da visão da depressão, assim como de muitas outras doenças psiquiátricas. Por um lado, tínhamos os defensores de que reinavam as causas exógenas, ou seja, que o factor desencadeante de um perturbação depressiva era, geral e provavelmente, algum acontecimento exterior ao indivíduo, mas no qual este tinha estado de alguma maneira envolvido, formando um trauma (por exemplo: morte de um familiar, situação de desemprego, situação familiar difícil, etc.). Por outro lado, estavam os grandes defensores das causas endógenas, que ainda hoje se mantêm e até aumentam em número, total ou quase totalmente “escravizados” pelos factores biológicos, e que ficam, muitas vezes, sem uma explicação visível para determinados casos. Estas duas visões distintas acabam, geralmente, por unir-se, formando a visão ampla e multicausal que hoje se atribui à origem das perturbações depressivas.
Existem também, hoje, grandes evidências da influência do factor genético, postas à prova em diversas experiências, todas elas parecendo concordar quanto à existência de, pelo menos, um risco acrescido quanto existem antecedentes familiares de depressão.
Há bastantes outros factores de risco que podem, efectivamente, contribuir para o aparecimento da doença. Podemos contar, entre outros, com: Antecedentes de episódios anteriores de depressão; traços de personalidade associados ao neuroticismo, obsessividade e impulsividade; sexo feminino; classe social baixa; situação de desemprego; residência em zona urbana; ocorrência de acontecimentos de vida adversos; falta de confiança; presença de outras doenças psiquiátricas; presença de doenças físicas (por exemplo, esclerose múltipla, hipotiroidismo, etc.) (Afonso P., 2015).
            Apesar de todas estas possíveis causas e factores de risco, é importante referir que a depressão não exclui ninguém do seu domínio avassalador pelo brasão da tristeza profunda. Por exemplo, apesar de ser mais frequente no sexo feminino, há milhares de homens que sofrem com esta doença, e apesar das classes sociais mais baixas estarem mais susceptíveis, há milhares de pessoas nas classes mais altas que sofrem também de depressão, tão profunda como qualquer outra, inclusive, muitas celebridades de ambos os sexos já deram o seu testemunho, afirmando que passaram ou estão a passar por uma perturbação depressiva.
É relevante tentar lutar física e psicologicamente contra este “demónio”. Mesmo nos momentos em que estamos mais em baixo, é essencial lembramo-nos dos nossos amigos neurotransmissores. Ainda que não se saiba tudo acerca deles, pode afirmar-se que se os processos estiverem normalizados a nível sináptico, o universo será um sítio melhor (não perfeito, não totalmente resolvido, mas melhor). E, para que tal aconteça, basta, por vezes, alterarmos o nosso pensamento corrente, mesmo que com algum esforço inicial ou até com ajuda profissional.


sábado, 9 de janeiro de 2016

Breve História de Um Psicofármaco: Parte 2 – "Conversa Dentro da Caixa”

E lá vai ele, acompanhado de seus irmãos, Benzinhos ansiolíticos. Vão conversando, à distância, sobre os planos para o futuro, para quando saírem da caixa e forem deglutidos por algum indivíduo, desejavelmente agitado. - Às vezes, sinto que seria mais feliz se tivesse nascido anti-depressivo, talvez na família dos ISRS (inibidores selectivos da recaptação de serotonina). Chegava ao sistema nervoso do homem e punha-o todo contente e aos pulos. Até morrer de vez, e acabar o meu efeito, pelo menos morria a ver o homem feliz, e não somente calmo - afirma Zé Benzinho, cansado de estar sempre tão relaxado. Não que esteja em depressão, está demasiado relaxado para tal perturbação. Ele não deprime nem euforiza. Ele está, e é, simplesmente, calmo.
Na verdade, Zé não tem grandes hipóteses de escolha, nem ele nem os seus irmãos. São todos 2 mg, os daquela caixa. O seu destino será, sem grande margem para mudanças, uma actuação anti-ansiosa normal, em princípio, não demasiado incisiva. - Resta saber qual o tipo de organismo que me irá receber. Será um daqueles com uma crise ansiosa grave? Possivelmente um sofredor de perturbação de pânico ou algo do género. Ouvi dizer que esses até têm algum interesse e dão prazer de actuação. Não fosse eu um ansiolítico, e estaria aqui em pulgas para que me calhasse um de tal intensidade. - Especula Zé Benzinho, que logo obtém resposta de um irmão, preso numa das pontas da caixa - Não é expectável que seja. Nós somos pequenos, 2 mg, os casos mais graves ficam normalmente para os nossos primos maiores, os Benzos ou os Benzões. A nós, quase de certeza que nos calhará um amorfo qualquer, alimentado pela nossa família há tantos anos, que já nem uma bomba a explodir ao seu lado lhe faria piscar os olhos. Basicamente, iremos só continuar o processo. Quando lá chegarmos, já estará tudo calmo. Duvido que haja alguma movimentação interessante e que necessite mesmo dos nossos serviços, nos nossos futuros anfitriões… mas veremos, pode ser que tenhamos sorte. O primeiro a chegar que telefone, por favor. Se calhar até serei eu, visto que estou na ponta. – E assim vão tentando adivinhar o futuro, estes pequenos “neuro-profetas”.
E eis que, certa manhã, ainda relativamente cedo, e sem que tivesse existido antes qualquer sinal de movimento, a caixa dos Benzinhos é aberta. Zé e os seus irmãos acordam subitamente, mas com toda a sua calma característica. Todos olham para a abertura e pensam, sem pânico ou preocupação, ainda que possa parecer o contrário: “Qual será a fila que sai primeiro?”, “Qual será o irmão que já não voltará?”, “Será que é só um?”, “Quanto tempo demorará para que todos nós tenhamos sucumbido às ordens de um qualquer senhor ansioso?”, “Como será o nosso anfitrião?”.


(Continua…)



A Depressão é uma Doença Real (Sinais e Sintomas)

Neste texto, abordo um dos conjuntos de perturbações psiquiátricas mais incapacitantes, tanto pelo nível de gravidade da incapacidade, como pela diversidade de áreas funcionais que afecta, nas quais, tantas vezes, torna o indivíduo incapaz. Numa tentativa e luta, que deve ser constante, para tentar desmistificar ao máximo a visão leiga das perturbações mentais, em particular das perturbações depressivas. Concordando com este facto, está a posição da OMS (Organização Mundial de Saúde) que afirmou especular que, em 2020, as perturbações depressivas sejam a segunda causa de carga global de doença a nível mundial, apenas ultrapassadas pelas doenças cardiovasculares. Para além disso, rotulou a depressão como a principal causa de incapacidade individual. Devido a esta globalização, a doença tem sido apelidada de “constipação da mente”.  
            Há sinais e sintomas (semiologia) que se associam directa e espontaneamente à depressão, mesmo em contextos de senso comum, tais como: tristeza (sem margem para dúvida, o mais evidente e comum), sofrimento, descrença, falta de motivação… e outros tantos que nos vêm imediatamente, ou pouco depois, à cabeça, sempre que ouvimos termos da família da palavra “depressão” (deprimido, depressivo, etc.), independentemente do contexto, da companhia ou do assunto correspondente. Ora, é realmente necessário esclarecer que, num quadro clínico de depressão, estes sinais e sintomas, conhecidos e declarados pelo senso comum, não são, por si só, critério suficiente para afirmar o diagnóstico de patologia, no mínimo, em 99,9% dos casos. Mas estão ou não tais sinais e sintomas presentes nos quadros de perturbações depressivas? Sim, sem qualquer dúvida. A tristeza, o sofrimento, a descrença, a falta de motivação, etc., estão quase sempre presentes em pacientes diagnosticados com quadros depressivos, e é necessário estar particularmente atento a todos eles. No entanto, existem centenas de outros sinais e sintomas, que podem surgir associados a este tipo de quadros, e que nos podem ajudar a complementar e aprofundar o diagnóstico de uma perturbação depressiva, com determinada classificação e especificação, fazendo uso da melhor diferenciação entre depressão (patologia/doença) e tristeza (normalidade) (abordarei esta necessária e complexa diferenciação numa publicação posterior).
Como já referi, a depressão é uma doença real, que deve ser encarada como outra patologia indubitável qualquer, e que afecta diversas áreas do funcionamento humano (em casos extremos, pode mesmo afectar todas). Ou seja, de um modo geral, podem ser apresentados conjuntos de sinais e sintomas pertencentes a quatro grandes grupos: emocionais, cognitivos, físicos e comportamentais (P. Afonso, 2015). Sendo que estes podem perturbar significativamente (e, geralmente, perturbam mesmo) o funcionamento normal do indivíduo em três grandes contextos: pessoal, social e profissional.
            Tendo isto em conta, apresento, de seguida, um conjunto, que penso ser relativamente abrangente (um conjunto realmente abrangente seria muitíssimo difícil e um totalmente abrangente seria praticamente impossível), de possíveis sinais e sintomas na generalidade dos quadros depressivos, que podem fazer variar o quadro e/ou especificação que é reconhecido no doente.

Conjunto de Sinais e Sintomas Possíveis na Generalidade dos Quadros Depressivos

Emocionais
Humor deprimido; tristeza efectiva e persistente; falta de esperança no futuro; pessimismo geral; choro fácil; labilidade emocional; incapacidade de adequar o estado de ânimo ao ambiente do momento; irritabilidade; agressividade; anestesia afectiva; anedonia; auto-desvalorização; culpabilização gratuita; pensamentos obsessivos ou delirantes; disprosódia; fixação ruminatória no passado; auto-condenação; remorso; dúvida sobre se vale a pena continuar a viver; desejo de morte visto como única solução; ausência de motivação e de iniciativa; sensação de mente vazia; sentimento de solidão constante;

Cognitivos
Perturbações da memória; baixa no rendimento e na productividade intelectual/profissional/escolar; confusão; dificuldades de atenção e concentração; distracção fácil, com tendência a “fugir” para pensamentos negativos; incapacidade de fixação;

Físicos
Dores corporais; perturbações gastro-intestinais; cefaleias (dores de cabeça); disfunções sexuais; perda de peso; falta de energia; cansaço fácil/fadiga persistente; ansiedade com todos os seus componentes (palpitações, aperto no peito, tremores, tonturas, suores, etc.); insónia ou hipersónia; falta de desejo sexual ou disfunções sexuais: anorgasmia (nas mulheres) e impotência (nos homens),  expressão facial e aspecto abatidos;

Comportamentais
Lentificação ou inibição motora; ausência de iniciativa motora voluntária; passagem de grande parte do tempo sentado ou deitado; adiamento sistemático de diversos tipos de tarefas; sentimento de que tudo acarreta enorme esforço; mímica triste, com ausência de sorriso; aspecto descuidado; desinteresse pela auto-imagem; perda de hábitos de higiene; alterações do comportamento alimentar; apatia geral; possível “estupor melancólico”; isolamento social; abuso de substâncias; inquietação/agitação; dificuldade em manter-se no mesmo sítio, sem motivo aparente; auto e/ou hétero-agressão.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Breve História de Um Psicofármaco: Parte 1 – “Zé Benzinho”

         Estão prestes a encontrar-se novamente, os químicos que, quando abraçados, dão origem a mais um “redondinho milagroso”. Desta vez, parece que será um consumador de “milagres nervosos”, ou “anti-nervosos”. Será o Papa? Será Jesus? Será Deus? Não, é um psicofármaco! É um daquela espécie que faz aplanar a actividade nervosa “simpática”. Que provoca o relaxamento das comunicações inter-neuronais. Que transforma leões em preguiças. Que traz vida morta à morte vivida. Que apaga a chama da “revolução interior”, sabendo, claro, que nem todas as revoluções são benéficas. Mas serão todas maléficas? As interiores são, no mínimo, controversas. Mas trazem, muitas vezes, benefícios, não há que duvidar. Ou melhor, poder-se-á duvidar, com toda a legitimidade, porque a própria dúvida é revolução, mas chegar-se-á à conclusão de que foi em vão, essa dúvida.
Voltemos ao personagem principal. Como já devem ter percebido neste momento, trata-se de um ansiolítico. Pertence a uma família da alta classe medicamentosa, com grande crescimento económico e reconhecimento social, exponencialmente aumentados nos últimos tempos, devido, sobretudo, ao aumento das “revoluções interiores” nos indivíduos em geral, mas também à falta de tempo e preocupação da classe médica, sendo que, também estes défices de tempo e preocupação estão, provavelmente, correlacionados com as “revoluções interiores” nos próprios médicos (também têm direito, os pobres coitados). É da família das benzodiazepinas, de seu nome José Benzo, mas costumam chamar-lhe “Zé Benzinho”, por ser pequenino, é um 2 mg. Descendente longínquo do primeiro membro de tal família, à qual, já na altura do seu surgimento acidental, na década de 1950, se auguravam tempos áureos no futuro. As farmacêuticas querem, o paciente sonha, o comprido nasce. Diria Fernando Pessoa, ao dar uma vista de olhos pela actualidade.
E assim começa a viagem de Zé Benzinho, embalado prontamente com os seus irmãos, todos presos dentro de uma caixa. Não se importam minimamente com a impossibilidade de se mover. Aliás, eles não se importam com nada, são o arquétipo da calma, não há cá “revoluções interiores” nestes rebentos. Nem nunca há de haver, mesmo que atinjam a idade adulta, coisa que só acontece com alguns sortudos desta família, que ficam guardados numa qualquer gaveta, carteira ou bolso, de um indivíduo que achou que seria possível e até benéfico não fazer uso de toda a fornada de benzinhos ou benzões que trazia a embalagem que ele comprou, arranjando outras formas para combater a longo prazo as suas “revoluções interiores” (as maléficas). Vejam lá bem, o atrevimento de certas pessoas, a desobedecer assim ao médico!


(Continua…)



quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Aspectos Neuropsicológicos da Depressão (resumo)

Alterações Estruturais

Através das diversas técnicas de imagiologia cerebral, foi possível, em alguns estudos realizados, detectar alterações em certas regiões cerebrais. Estudos esses, que tendem, na sua grande maioria, a ser razoavelmente consensuais e, por isso, podemos afirmar com significativa certeza de que estas alterações estão efectivamente relacionadas com as perturbações depressivas. No entanto, e como costuma dizer um professor meu, em relação a esta matéria: “Não se sabe ainda ao certo quem nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha”, ou seja, será que é a depressão que causa alterações estruturais? Ou serão as alterações estruturais que causam depressão?
Os dados apresentados seguidamente foram resultado da conjunção da consulta de diversas obras.
Indubitavelmente, o fluxo sanguíneo e a actividade metabólica mostram-se diminuídos, principalmente, nas regiões frontais, mas também no resto do cérebro. Sendo que a hipoactivação frontal esquerda está associada a lentificação psicomotora, pobreza da fala e ausência de motivação, e a hipoactivação frontal direita está associada a comportamentos ansiosos e pensamentos afectivamente negativos. Mais especificamente (e de uma perspectiva diferente), em repouso,observa-se, geralmente, menor activação do córtex pré-frontal dorso-lateral, associada aos sintomas de alterações cognitivas, e maior activação do córtex pré-frontal ventro-medial, do córtex pré-frontal orbito-frontal, da amígdala esquerda e da circunvolução cingulada, associada aos sintomas emocionais e de ansiedade. Verifica-se também, em casos de perturbações depressivas com características melancólicas, uma hipoactivação de regiões parieto-temporais direitas. É sabido que o metabolismo pré-frontal tem correlações com a capacidade de resposta clínica aos antidepressivos. Coloca-se ainda a hipótese de que possa ocorrer uma perda celular significativa, nas regiões frontais e temporais.
Como se percebe, as alterações ocorrem em diversas interacções e dinâmicas, englobando diversas regiões cerebrais, e não apenas uma certa estrutura. Isto poderá explicar, até certo ponto, a enorme diversidade semiológica das perturbações depressivas.

Neurotransmissores e Hormonas

         Hoje em dia, a teoria mais consensual sobre a relação entre os neurotransmissores e a depressão, é a denominada “teoria monoaminérgica da depressão”, que nasceu depois da observação dos resultados da aplicação de determinados psicofármacos em determinados indivíduos.
  Teoria essa que se baseia na proposição de que o défice de concentração dos principais neurotransmissores monoaminérgicos, as catecolaminas (dopamina, noradrenalina e serotonina), leva à depressão (pode colocar-se aqui, novamente, a pergunta apresentada acima: quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha?). Estes neurotransmissores estão, comprovadamente, relacionados com a sensação de prazer, felicidade, energia positiva, motivação, regulação do apetite, desejo sexual, ansiedade, etc..
  Há quem defenda que esta teoria peca por ser simplista e até redutora, devido à enorme diversidade de funções e áreas cerebrais em que tais neurotransmissores actuam.
  Há também uma outra influente teoria associada à depressão, fortemente relacionada com o sistema endócrino e com o stress. Sendo, portanto, usualmente conhecida como “teoria da disfunção endócrina na depressão” ou “teoria do stressna depressão”.
 Esta tem como base o excesso de libertação, e consequente concentração, da hormona cortisol, aquando da resposta endócrina que é dada numa determinada situação de stress. As situações de stress no dia-a-dia, em quadro normal, activam a produção e libertação de cortisol (pelas glândulas suprarrenais) e de outras hormonas, como forma de resposta física ao medo ou ansiedade, na tentativa de deixar o indivíduo fisiologicamente preparado para actuar, numa situação de “perigo” iminente. Quando o nível de cortisol no sangue atinge uma certa concentração, denominada de concentração óptima (ou seja, uma concentração que já seria suficiente para dar a resposta necessária e adequada a determinada situação), ocorre um outro mecanismo em cadeia (que envolve várias estruturas, entre as quais, o hipotálamo e a hipófise), que ordena e coordena a diminuição da produção e segregação de cortisol.
              Ora, é exactamente no incorrecto funcionamento deste mecanismo de “retro-regulação negativa” que parece estar um dos problemas de uma pessoa com depressão. Sendo que 50 a 70 % dos doentes hospitalizados com diagnóstico de perturbação depressiva, apresentam níveis elevados de glicocorticóides no sangue, no líquido cefalorraquidiano, na saliva ou na urina.



Aventuras de Um Maníaco-Depressivo: Parte 1 - Manhã Estonteante

Manhã estonteante, a que agora se mostra perante o senhor Rolando. Oxalá todas fossem como esta. Ele já teve outras manhãs confortáveis, particularmente nos últimos tempos, mas nunca nada assim. Esta é especial. Todas as forças e energias positivas do universo estão sobre o seu quarto, totalmente dirigidas para tornar o seu dia no mais próximo possível da perfeição, apesar de nunca absolutamente perfeito. Pelo menos é essa a sua sensação. Já está tudo perfeito: Os móveis brilham. As cores espalhadas reluzem. Os objectos estão todos no sítio ideal. A luz que entra pela janela está peculiarmente espectacular, mas não apenas no geral, todos os ínfimos pormenores, todos os raios, todas as linhas, todos os ângulos, todos os cruzamentos e ligações luzidios, tudo está no seu máximo esplendor. E um segundo basta, a este homem, para apurar todas as infinitas características de tudo o que está no quarto. Nunca esta luz tinha entrado assim por qualquer outra janela do planeta terra. Mesmo sem pedir licença, não há qualquer problema, é a melhor e mais oportuna luz de sempre. No entanto, há ainda mais para aperfeiçoar, Rolando necessita de aperfeiçoar esta manhã perfeita, necessita de auto-activação constante, da busca do aperfeiçoamento da perfeição, apesar de tudo já estar tão perfeito aos seus olhos e pensamento, física e psicologicamente.
As tais forças e energias positivas começam a entranhar-se no seu corpo, ainda antes de Rolando pôr um pé no chão. Estava ele a abrir os olhos, depois de uma noite de sono profundamente relaxante e revigorante. Noite essa, também ela, a melhor noite de sono de sempre, apesar de ter durado umas aparentemente poucas duas horas e picos. Não há, no seu estado físico e/ou psicológico, qualquer sinal de cansaço, por mínimo que seja. Numa escala de zero a cem, ele sente-se com nível zero de cansaço. Todas as células do seu corpo estão afinadas ao máximo, proporcionando-lhe as melhores conexões fisiológicas e o melhor metabolismo de sempre. E tudo na sua mente e no seu sistema nervoso flui como água límpida. Cada neurónio comunica com os restantes de uma forma tão veloz e precisa, que impossibilita quaisquer “travões” no comboio do pensamento e da cognição. Até um TGV teria inveja da velocidade de processamento do senhor Rolando neste momento. No seu "processador", foi já ultrapassada a velocidade da luz.
Agora, para o senhor Rolando, tudo é possível. Aliás, tudo sempre foi possível, mas Rolando só neste momento se apercebeu.


(Continua…)